10 setembro 2009

Até mais, e obrigado pelos peixes!

[...]
– Tudo bem, então. Compre o café.
– Estou comprando. Estou comprando também alguns biscoitos.
– Que tipo?
– Rich Tea.
– Boa escolha.
– Também gosto. Com tudo isso em mãos, eu procuro uma mesa e me sento. E, antes que você me
pergunte como era a mesa, não sei, não lembro, isso aconteceu há séculos. Provavelmente era redonda.
– Tá bem.
– Deixa eu recapitular a cena. Eu lá, sentado à mesa. A minha esquerda, o jornal. À direita, o café. E
no meio da mesa o pacote de biscoitos.
– Estou vendo perfeitamente.
– O que você não vê – disse Arthur -, porque ainda não o mencionei, é um cara que já estava sentado
nessa mesa. Ele está sentado na minha frente.
– Como ele é?
– Perfeitamente normal. Maleta de couro. Terno e gravata. Não tinha cara de quem estava prestes a
fazer uma coisa estranha.
– Ah. Conheço bem esse tipo. O que ele fez?
– Ele fez o seguinte. Ele se inclinou sobre a mesa, pegou o pacote de biscoito, abriu, pegou um e...
– E?
– Comeu.
– O quê?
– Ele comeu.
Fenchurch olhou para ele, abismada.
– E que diabos você fez?
– Bem, diante das circunstâncias, fiz o que qualquer inglês viril faria. Fui obrigado a ignorá-lo.
– Como assim? Por quê?
– Bom, não é o tipo de coisa para a qual a gente está preparado, né? Vasculhei minha alma e descobri
que não havia nada na minha criação, experiência ou até nos meus instintos básicos me dizendo como
reagir diante de alguém que, sentado na minha frente, simplesmente, calmamente, rouba um dos meus
biscoitos.
– Ah, você podia... – Fenchurch pensou a respeito. – É, tenho que admitir que eu teria feito a mesma
coisa. E aí, o que aconteceu?
– Concentrei furiosamente a minha atenção nas palavras cruzadas – disse Arthur. – Não consegui
preencher nada, tomei um gole de café, estava quente demais para beber, então eu não tinha nada para
fazer. Me preparei. Apanhei um biscoito, tentando fingir que não tinha reparado que o pacote já estava
misteriosamente aberto...
– Mas você reagiu, adotou uma postura firme.
– Do meu jeito, sim. Comi o biscoito. Comi deliberada e ostensivamente, para que ele não tivesse
dúvida sobre o que estava fazendo. E, quando eu como um biscoito – disse Arthur -, devo dizer que não
tem volta.
– E o que ele fez?
– Apanhou outro. Sério – insistiu Arthur -, foi exatamente o que ele fez. Ele apanhou outro biscoito e
comeu. Tão claro como a luz do dia. Tão certo como estarmos sentados aqui no chão.
Fenchurch mexeu-se desconfortavelmente.
– E o problema – disse Arthur – é que, como eu não havia dito nada da primeira vez, ficou ainda
mais difícil levantar o assunto da segunda vez. O que eu poderia dizer? "Com licença... não pude deixar de
notar que..." Não dava mais. Não, eu o ignorei, até mesmo com mais vigor do que antes
– Esse é o meu homem...
– Olhei para as palavras cruzadas, novamente, não consegui fazer uma linha, aí, inspirando-me na
coragem de Henrique V no Dia de São Crispim...
– Ahn?
– Eu ataquei novamente. Peguei outro biscoito. E, por um momento, os nossos olhos se encontraram.
– Assim?
– Sim, bem, não, não desse jeito. Mas se encontraram. Por um breve instante. E nós dois desviamos
o olhar. Mas devo dizer – disse Arthur – que houve uma pequena eletricidade no ar. Havia uma pequena
tensão crescendo naquela mesa. Àquela altura.
– Imagino.
– Acabamos com o pacote assim. Ele, eu, ele, eu.
– O pacote todo?
– Bom, eram só oito biscoitos, mas parecia que toda uma vida de biscoitos havia se passado diante
de nós. Nem mesmo os gladiadores enfrentavam algo tão difícil.
– Os gladiadores – disse Fenchurch – teriam que fazer tudo isso sob um sol forte. Exige mais do
condicionamento físico.
– É, tem isso. Enfim. Quando o pacote vazio jazia morto entre nós, o cara finalmente se levantou, já
tendo feito o pior e foi embora. Eu suspirei aliviado, é claro. Anunciaram o meu trem um pouco depois,
então terminei o meu café, levantei, apanhei o jornal e, embaixo do jornal...
– Ahn?
– Estavam os meus biscoitos.
Douglas Adams

Um comentário:

Maria Izabel disse...

Haha, adorei o texto! Estou louca para ler esse livro.